A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou, no finalzinho do ano passado, a Instrução Normativa 2.219/2024, que modificou regras aplicáveis às instituições financeiras quanto ao suprimento de informações e dados financeiros relativo a transações de pessoas físicas e jurídicas. Neste artigo, abordaremos quais foram as modificações trazidas por essa instrução em detrimento de como funcionava anteriormente.
Pix
A referida instrução normativa tem relação indireta com essa nova forma de pagamento, o Pix, que se popularizou massivamente entre os brasileiros. No início de 2024, tivemos o fim do DOC, assim como uma redução drástica na utilização do TED, que costumava ser a principal forma de transferência bancária dos brasileiros.
O Pix tem sido alvo de discussões na internet quanto à privacidade e o sigilo bancário envolvendo as transações dessa forma de pagamento perante o fisco, no caso a Receita Federal. Apesar da instrução não mencionar em nenhum momento diretamente o Pix, há um laço indireto entre a instrução normativa publicada e o Pix, e cabe reconhecer e refletir sobre o fato que o Pix forneceu fortes elos auditáveis para o fisco em transações que antes ocorriam sem tanta capacidade de conectar os elos da corrente do dinheiro, especialmente no varejo onde o Pix diminuiu as transações em espécie, assim como por cartão de débito.
Como funcionava antes da nova instrução
A IN 2.219/2024 revogou a IN 1.571/2015 que era a instrução em vigor responsável por regular as informações que são prestadas ao fisco pelas instituições financeiras. Antes, a determinação era de uma linha de corte de dois mil reais para pessoas físicas e cinco mil reais para pessoas jurídicas que deveriam ser comunicadas. Tal linha de corte se aplicava ao "montante global movimentado ou o saldo, em cada mês, por tipo de operação financeira" ser superior aos valores supracitados, então mesmo que eventuais operações ocorram fracionadas, seria acionado o gatilho na instituição para informar ao fisco.
Não é novidade que o fisco está cada vez mais de olho nas movimentações financeiras, especialmente de olho no combate à sonegação de impostos e na detecção de evasão de dívidas ou lavagem de dinheiro, que geram impactos negativos na economia. Em 2017, houve a publicação da Instrução Normativa 1.761/2017 que determinava a prestação de informações ao fisco sobre movimentações em espécie.
O que a IN 2.219/2024 mudou
A principal mudança da nova instrução normativa é a inclusão de outros tipos de instituições que não existiam lá em 2015, como as Instituições de Pagamento, modalidade muito utilizada pelas fintechs. Com isso, houve uma ampliação do rol de instituições que devem prestar informações para o fisco. Aqui mora a relação indireta com o Pix, pois essas Instituições de Pagamento normalmente são participantes do Pix. Importante lembrar, entretanto, que a IN 1.571/2015 já determinava que os bancos, incluindo os bancos múltiplos onde se encaixam os grandes bancos, já prestavam tais informações para o fisco, inclusive do Pix. Outra mudança, se refere ao patamar, da referida linha de corte, quando essa comunicação deve ocorrer, passando a ser de cinco mil reais para pessoas físicas e quinze mil reais para pessoas jurídicas.
A parte mais polêmica dessa instrução se refere ao art. 17, inciso II, § 3º, que determina que a prestação das informações deverá abranger todos os meses subsequentes, a partir daquele mês que se atingiu o limite, portanto, gerando um volume maior de informações que serão prestadas ao fisco no longo prazo. Este mecanismo não existia na instrução normativa anterior e tem gerado debates na internet.
Das informações que são prestadas ao fisco
As operações financeiras abrangidas são todas, inclusive transferência de mesma titularidade, lance para consórcio, pagamentos realizados etc. Se você movimenta, mensalmente, mais de cinco mil reais (PF) ou quinze mil reais (PJ), muito provavelmente a sua instituição financeira já irá fazer esse report ao fisco. No décimo artigo, da instrução normativa, temos as seguintes informações que são prestadas, que estão atreladas às operações financeiras:
I - saldo no último dia útil do ano de qualquer conta de depósito, de poupança ou de pagamento do tipo pré-paga ou pós-paga e contas em moeda eletrônica, com base em quaisquer movimentações, tais como pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques, emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados ou resgates à vista e a prazo, discriminando o total do rendimento mensal bruto pago ou creditado à conta, acumulados anualmente, mês a mês;
II - saldo no último dia útil do ano de cada aplicação financeira, bem como os correspondentes somatórios mensais a crédito e a débito, com base em quaisquer movimentações, tais como as relativas a investimentos, resgates, alienações, cessões ou liquidações das referidas aplicações havidas, mês a mês, no decorrer do ano;
III - rendimentos brutos, acumulados anualmente, mês a mês, por aplicação financeira, no decorrer do ano, individualizados por tipo de rendimento, incluídos os valores oriundos da venda ou resgate de ativos sob custódia e de resgate de fundos de investimento;
IV - saldo, no último dia útil do ano ou no dia de encerramento, de provisões matemáticas de benefícios a conceder, referente a cada plano de benefício de previdência complementar ou a cada plano de seguros de pessoas, discriminando, mês a mês, o total das respectivas movimentações, a crédito e a débito, ocorridas no decorrer do ano, na forma estabelecida nos leiautes a que se refere o art. 30, caput, inciso I;
V - saldo, no último dia útil do ano ou no dia de encerramento, de cada Fapi, e as correspondentes movimentações, discriminadas mês a mês, a crédito e a débito, ocorridas no decorrer do ano, na forma estabelecida nos leiautes a que se refere o art. 30, caput, inciso I;
VI - valores de benefícios ou de capitais segurados, acumulados anualmente, mês a mês, pagos sob a forma de pagamento único ou sob a forma de renda;
VII - lançamentos de transferências realizadas entre contas do mesmo titular;
VIII - aquisições de moeda estrangeira;
IX - conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;
X - transferências de moeda e de outros valores para o exterior, excluídas as operações a que se refere o inciso VIII;
XI - o total dos valores pagos até o último dia do ano, incluídos os valores dos lances que resultaram em contemplação, deduzido dos valores de créditos disponibilizados ao cotista, e as correspondentes movimentações, ocorridas no decorrer do ano e discriminadas, mês a mês, a crédito e a débito, na forma estabelecida nos leiautes a que se refere o art. 30, caput, inciso I, por cota de consórcio; e
XII - valor de créditos disponibilizados ao cotista, acumulados anualmente, mês a mês, por cota de consórcio, no decorrer do ano.
Adicionalmente, temos uma série de dados de identificação envolvendo essas operações financeiras reportadas acima, a identificação engloba as duas pontas, tanto quem realizou a transação e quem a recebeu, devendo incluir as seguintes informações:
I - nome, nacionalidade, residência fiscal, endereço e número da conta ou equivalente, individualizados por conta ou contrato na instituição declarante;
II - número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ;
III - Número de Identificação Fiscal - NIF no exterior, caso tenha sido adotado pelo país de residência fiscal;
IV - nome empresarial;
V - saldos e montantes globais mensalmente movimentados;
VI - moeda utilizada; e
VII - demais informações cadastrais.
E vai ter imposto no Pix?
Um imposto no Pix é improvável de se acontecer. Já existiu, no Brasil, um imposto desse molde que era a CPMF, um imposto sobre qualquer transação financeira realizada, que era popularmente marcado como "imposto do cheque", a forma de pagamento mais utilizada na época. Certamente, hoje, um imposto desse molde seria chamado de "imposto do pix". Hoje, não existe projeto em tramitação para retomar um tributo aos moldes da CPMF, então, está momentaneamente afastada a ideia de que o Pix será tributado com a vinda dessa Instrução Normativa.
O que pode e deve acontecer com as mudanças da instrução, e tem gerado um certo medo nas pessoas que estão irregular nas suas declarações de rendimentos, é a ampliação da capacidade de auditoria automatizada pela Receita Federal com essas novas informações que serão capturadas, podendo deixar a malha fina do Imposto de Renda Pessoa Física mais inteligente, com enfoque nas pessoas que têm muita movimentação financeira e pouca declaração de renda no seu IRPF. Na mesma linha da pessoa física, as empresas que têm receita sem o devido reconhecimento e tributação poderão sofrer fiscalização de forma mais direcionada e assertiva.