A correta forma de contabilizar os aportes realizados em uma obra, que faz parte de uma incorporação imobiliária, ainda gera dúvidas em muitas pessoas. Essa contabilização ser feita da maneira correta é fundamental para a saúde da incorporação, evitando o errôneo enquadramento da operação como operação de mútuo ou empréstimo de terceiros, em que haja incidência de impostos como o IOF e o IR sobre o capital aportado. Aproveito para salientar, mais uma vez, que a Construção Civil é um setor regido por legislações específicas, portanto, é primordial ter um contador capacitado e especializado neste segmento a frente do seu negócio.
Segregação do principal investido e dividendos
O aporte e depois sua futura devolução devem ser feitos tendo em vista a devida rastreabilidade e separação do fluxo de recurso entre seus tipos, por exemplo, separando o que foi a título de devolução de investimento para o sócio ou investidor e o que foi a título distribuição de dividendos, que representa o lucro do negócio. Tais operações devem ser feitas em contas contábeis separadas e, idealmente, em transações financeiras diferentes, de modo que o razão dessas operações possam ser confrontandos junto com a saída/entrada do caixa da empresa.
Contabilização no passivo e Patrimônio de Afetação
Na contabilização do aporte já devemos ter como premissa que o cenário ideal é contabilizá-lo no passivo, tendo em vista que o Patrimônio de Afetação veda a distribuição de lucro, porém permite o pagamento de obrigações da obra, empréstimos e liquidação de passivo, assim como devolução e reembolso de despesas. A regra geral é que tais operações devem estar diretamente atreladas à execução do empreendimento afetado, não podendo ter desvio de finalidade ilegítimo para com a Lei n° 4.591/64.
Não é em qualquer conta do passivo que podemos contabilizar. Devemos adentrar na legislação específica que temos em diversos temas que envolvem a Construção Civil, sobretudo porque nessa contabilização e registro da operação é importante não se cair no erro de enquadrar esse aporte como pagamento de um contrato de mútuo ou de um empréstimo vinculando a terceiros, mesmo remunerado por juros ou não, pois nessa ocasião existem entendimentos pacificados do fisco a respeito da incidência de IOF e até mesmo IR sobre a operação.
Por isso, deixamos claro no início do artigo que a devolução de investimento deverá ocorrer estritamente no capital investido, sem remuneração de juros, e os envolvidos que estão aportando o recurso precisam estar devidamente registrados como sócios/investidores para não serem caracterizados como terceiros, seja por meio dos seus contratos de SCP, a Sociedade de Conta de Participação, ou por participação direta na SPE, a Sociedade de Propósito Específico.
Adiantamento para futuro aumento de capital social (AFAC)
Por se tratar de aporte de seus sócios ao negócio, que é a obra, uma estrutura provisória, o entendimento da doutrina contábil é que pode-se contabilizar esses valores como AFAC, em contas contábeis no passivo não circulante. AFAC significa “Adiantamento para futuro aumento de capital social”, e nessa operação visamos a futura retratabilidade desta operação, e não a sua efetivação do aumento do capital social. Enquanto não integralizado, o AFAC não faz parte do capital social e não deve, em hipótese alguma, ser erroneamente contabilizado no patrimônio líquido, quando haverá a irretratabilidade desta operação.
A fundamentação desse entendimento é um pouco complexo e não é uma "receita de bolo" que deve ser seguida, remontando diversas questões, inclusive, envolvendo a personalidade dos sócios, se são pessoa física ou jurídica, visto que um AFAC entre pessoas jurídicas pode ser considerado operação de crédito e/ou mútuo entre terceiros, na jurisprudência vigente.
Um dos pontos que nos dá o embasamento na questão da retratabilidade é a Resolução 1.159/09 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que aprovou o comunicado técnico CTG 2000, no seu item 69, deixando claro que se o AFAC tiver possibilidade de devolução futura, ou seja ser retratável, deve ser registrado no passivo não circulante:
Resolução 1.159/09 do Conselho Federal de Contabilidade
69. Os adiantamentos para futuros aumentos de capital realizados, sem que haja a possibilidade de sua devolução, devem ser registrados no Patrimônio Líquido, após a conta de capital social. Caso haja qualquer possibilidade de sua devolução, devem ser registrados no Passivo Não Circulante.
Vale lembrar que já existiu um entendimento do fisco que a operação do AFAC deveria ser registrada e efetivada dentro de 120 dias, inclusive com discussões a respeito da incidência de IOF quando houver retratabilidade. A efetivação significa realizar o aumento do capital social, que daria uma irretratabilidade para o valor, sem possibilidade de devolução a menos que a pessoa se retira-se da sociedade. Esse entendimento foi modificado, em 2012, pelo Acórdão n° 12-49093 da Receita Federal do Brasil, conforme pedaço do acórdao citado abaixo, no qual negritamos o ponto específico que afastou tal entendimento:
Acórdão n° 12-49093 de 27 de agosto de 2012 – 15° TURMA
EMENTA: IOF. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. CAPITALIZAÇÃO DOS RECURSOS APÓS O PRAZO ESTABELECIDO NO PARECER NORMATIVO CST N° 17/1984. EQUIPARAÇÃO A NEGÓCIO DE MÚTUO. IMPOSSIBILIDADE. A legislação do IOF não prevê nenhuma hipótese em que os adiantamentos para futuro aumento de capital sejam equiparados a negócios de mútuo, por decurso de prazo para capitalização dos recursos. A fixação de um limite de 120 dias para a aprovação do aumento de capital, com base no Parecer Normativo CST n° 7/1984, é descabida, posto que o referido ato não guarda pertinência com o tributo em causa.
Conclusão
O entendimento de que o AFAC retratável não pode ser enquadrado como operação financeira de mútuo entre terceiros é de entendimento comum quando a operação é feita de pessoa física (sócio) para pessoa jurídica (obra), eliminando totalmente a possibilidade de tributação dos valores pelo IOF, visto que a legislação do IOF tem como fato gerador as operaçõesde crédito e de mútuo entre pessoas jurídicas e de pessoa jurídica para pessoa física (este último nunca ocorrerá no nosso cenário). Quando se tratar de AFAC entre pessoas jurídicas, é importante que seu advogado e contador participem desse estudo de caso em sua organização a fim de evitar a incidência de IOF e IR, este último é aplicável na ocasião de existência de juros e que não é permitido em operações de AFAC.
A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CARF) proferiu decisão, por meio do processo n° 10980.723999/2015-11, que o Parecer Normativo CST 17/84 e a IN SRF 127/88, que davam o prazo de 120 para o AFAC ser efetivado, não possuem validade na legislação atual. Fica ratificado, portanto, o entendimento que o AFAC não possui prazo para ser efetivado, e que este pode sim ter a possibilidade de retratação, com a devolução de tal recurso aos sócios, sendo que na ocasião de relação de AFAC retratável entre pessoas jurídicas deve ser analisada a possibilidade de tributação pelo IOF, em virtude da potencial caracterização como operação de mútuo entre terceiros.
CTO da Softnix