A SCP, Sociedade em conta de participação, é um mecanismo jurídico que existe há muitas décadas na legislação brasileira e foi mantida no novo Código Civil que foi promulgado em 2002. Discutiremos neste artigo a aplicação da SCP nas incorporações imobiliárias, que gera diversos benefícios em comparação a admitir sócios através de Sociedade de Propósito Específico (SPE) como já tratamos em artigo específico sobre o tema. Ao longo deste artigo, faremos algumas analogias com a SPE, para explicar melhor o contexto que a SCP traz ao tema.
A SCP é regida pelo Código Civil, que é a Lei Federal n° 10.406/2002, através dos enxutos artigos 991 a 996 que constam abaixo. A aplicação específica da SCP é feita por Instruções Normativas da Receita Federal do Brasil (RFB), porém houveram poucas mudanças ao longo dos anos.
CAPÍTULO II
Da Sociedade em Conta de Participação
Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.
Art. 992. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.
Art. 993. O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.
Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.
Art. 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais.
§ 1º A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios.
§ 2º A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário.
§ 3º Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.
Art. 995. Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais.
Art. 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual.
Parágrafo único. Havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo.
O papel do sócio ostensivo
O papel do sócio ostensivo traz à tona a primordial diferença entre admitir investidores via SPE ou SCP. Enquanto na SPE, você tem um quadro societário específico no CNPJ aberto para o empreendimento e ali pode nomear quem tem poderes administrativos ou não, distribuição das responsabilidades e demais questões através do seu Contrato Social. Já na SCP não existe essa hipótese. O Código Civil já deixa claro no artigo 991 que a atividade é exercida apenas pelo sócio ostensivo, sob sua exclusiva responsabilidade. Então, a SCP pode ser admitida no próprio CNPJ da construtora ora existente, sem necessidade de criar uma nova empresa.
O sócio ostensivo, que será o incorporador no nosso contexto, é quem deve se encarregar da execução das atividades abrangidas pela SCP. Na outra ponta, temos o sócio participante, onde se enquadra nossos investidores, que é comumente chamado no mercado de sócio oculto.
Sócio participante ou sócio oculto
O sócio participante é comumente chamado de sócio oculto no mercado, porque a SCP já foi muito usada visando omitir os investidores do negócio, em constrante com a SPE, em que o quadro de participações é público e pode ser facilmente consultado no site da Receita Federal. Essa ocultação da SCP, entretanto, diminuiu muito na mudança que foi feita em 2014 pela Instrução Normativa n° 1.470/2014 da RFB, quando as SCPs passaram a ser obrigadas a se inscrever no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), ou seja, cada SCP hoje precisa ter um CNPJ, porém ela não está sujeita às mesmas formalidades legais que demais empresas estão, por exemplo, não sendo necessário registrar contrato social na junta comercial.
Apesar do sócio participante não ter responsabilidades diretas com relação ao negócio e à atividade exercida em si, este pode sim ser responsabilizado subsidiriamente em função de alguma intercorrência. E caso o sócio ostensivo queira admitir novos sócios participantes a uma SCP em andamento, todos devem ser devidamente notificados com antecedência e anuir essa mudança.
Escrituração contábil segregada
A escrituração contábil das operações da SCP precisa ser totalmente apartada das demais operações da empresa (sócio ostensivo). Essa escrituração pode ser feita na própria contabilidade do sócio ostensivo, ou seja, da incorporadora/construtora, que é a prática mais comum, visto que a contabilização já ocorre de forma segregada em função do Patrimônio de Afetação, e adiciona-se ali destaque em contas específicas para os aportes, retiradas e distribuição de dividendos aos sócios participantes, mas é importante ressaltar que, apesar de incomum, a lei permite a contabilização ocorrer no CNPJ da SCP. No geral, as empresas que trabalham com SCP visam atender o mínimo das regulações no CNPJ da SCP, principalmente depois das mudanças das Instruções Normativas 1.470/2014 e 1.420/2013, que demandou a abertura do CNPJ das SCP e implementou a obrigação de entrega de Escrituração Contábil Fiscal.
A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n° 1.470/2014 revogou o artigo 4 da IN SRF 179/1987, passando a obrigar, a partir de 2014, as SCP a se inscreverem no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica. É importante frisar que a IN 1.470/2014 já foi revogada por instruções normativas posteriores. A que está em vigor é a IN 2.119/2022, e que mantém essa obrigação e está citada abaixo, porém, conforme artigo 993 do Código Civil, a SCP não tem personalidade jurídica.
Anexo I
ENTIDADES OBRIGADAS A SE INSCREVER NO CNPJ
Entidades obrigadas a se inscrever no CNPJ:
(...)
XVIII - as Sociedades em Conta de Participação (SCP) vinculadas aos sócios ostensivos;
(...)
Em outras frentes, a SCP se assemelha a uma empresa normal. Está sujeita a optar por um regime tributário, entre Lucro Presumido e Lucro Real, tem seus dividendos isentos de tributos nos termos da legislação atual e estão sujeitas à equivalência patrimonial, quando há participação de outras empresas na operação, como por exemplo, com relação ao sócio ostensivo.
Aplicação do RET na SCP
Estou cansado de me deparar com pessoas erroneamente assumindo que precisam abrir uma SPE para aderir ao RET e isso não é verdade. A grande questão é que muitos escritórios de contabilidades não estão acostumados a trabalhar com a contabilidade por centros de custos gerenciais e por isso sempre enfatizo a importância de se ter uma contabilidade com especialização em Construção Civil, visto que esse setor é regido por legislações específicas.
O RET pode e deve ser aplicado em conjunto com a SCP, sem implantação de SPE, com a correta contabilização segregada e separação dos recursos financeiros em contas bancárias específicas, assim como o cumprimento de todas as demais obrigações da lei. O CNPJ do RET será aberto como filial do CNPJ da incorporadora/construtora, que serve tão somente para a arrecadação do imposto e realização da escrituração fiscal.
Como implantar a SCP
A implantação da SCP é extremamente simples, basta confeccionar um contrato, como um contrato social do negócio, que não precisa ser registrado na junta, e deve ser assinado pelo sócio ostensivo e todos os sócios participantes. No contrato, é importante estabelecer a prestação de contas, os pormenores do empreendimento que será objeto de investimento e suas características e prazos, regular a aplicação dos artigos 991 a 996 do Código Civil no contexto do contrato, e, o mais importante para o incorporador, estabelecer as condições de investimento, seu pagamento e lucro previsto, deixando claro as obrigações e participações de cada parte envolvida. Esse contrato deve ir ao contador para abertura do CNPJ da SCP e iniciar a contabilização dos aportes (investimentos) que serão realizados.
Pelo fim da SPE
Eliminar a SPE significa eliminar custos e retrabalhos dentro da estrutura administrativa, visto que o Brasil é um país que tem uma enxurrada de obrigações assessórias para serem cumpridas e ter diversas empresas ativas e operantes vai na contramão de otimizar sua mão-de-obra administrativa. É comum empresas que operam há décadas com SPE, e não questionam ainda a necessidade de continuar trabalhando com isso, terem "estoque" de CNPJ, visando agilidade quando necessitam adquirir um terreno e realizar os aportes devidamente corretos no "CNPJ da obra", visto que o processo de abertura de empresa e registro na junta é moroso. A segregação patrimonial existe via Patrimônio de Afetação, a admissão de investidores via SCP e a segregação dos recursos via contabilidade por centros de custo, portanto, já está na hora de abandar a SPE, em função de mecanismos mais modernos e eficientes para os tempos atuais. Leia aqui nosso artigo sobre SPE, onde elencamos e desconstruímos os principais motivos que a SPE se tornou um padrão no mercado.
CTO da Softnix